A Essência da Vida Religiosa
«Eu vim para que todos tenham a vida e a tenham em abundância» (Jo. 10,10)
Leitura: «Assim como acolhestes a Cristo Jesus, o Senhor, continuem a caminhar unidos com ele. Arraigados e edificados nele, firmes na fé tal como vos foi ensinada e fazendo progressos nela, em ação de graças. Ficai atentos, para que ninguém vos arme uma cilada com a filosofia, esse erro vazio que segue a tradição dos homens e os elementos do mundo e não segue a Cristo. De fato, é nele que toma corpo toda a plenitude da divindade, e nele participais, repletos da plenitude dele». (Col. 2,6-10)
Primeiro Ponto: “Eis a Serva do Senhor” para um religioso.
A minha vida adquire valor na medida em que a ofereço a Deus, transformando-a num sacrifício vivo o qual favorece em mim o desenvolver-se da presença da divindade.
Vivo em tanto quanto escolho de morrer. Se eu decidisse não morrer a mim mesmo a minha vida seria mais branda, mais fraca. Quanto menos me deixo trabalhar, a quanto menos renuncio, sacrificando a mim mesmo, tanto menos amo, pois o verdadeiro amor implica de um modo ou de outro a morte de si mesmo. Quanto menos amo, menos eu vivo, menos estou feliz com a vida.
Às vezes, infelizmente, a minha vida se torna insignificante, sem sabor, quase parecendo inútil. Afinal, que diferença haveria entre mim e um animal se a minha vida não fosse permeada pelo Espírito e enriquecida pela irradiação da graça? Esta vida divina em mim deve crescer, como um fogo que se alastra, queimando o meu “ego”. Esta aniquilação do meu “ego” è o dom mais agradável que eu possa fazer ao Senhor.
Jesus ama demais a humanidade para contentar-se dos poucos anos que viveu entre nós. Por amor Ele venceu os limites do tempo. A mediocridade, as atitudes mesquinhas de apego às minhas convicções etc. são obstáculos para a ação santificadora que a presença de Deus provoca em nós. A incapacidade de saber renunciar, a busca insaciável de pequenas satisfações pessoais, a incapacidade de parar, por correr sempre atrás de alguma coisa como se tivéssemos medo de ficar com o Hospede divino que pede espaço para agir, são estes também obstáculos à sua ação santificadora.
Jesus não quer que ponhamos estes obstáculos, procura almas que não Lhe imponham limites, que não coloquem uma linha de demarcação à amplitude de sua doação, que O deixem agir, como Maria Lhe permitiu.
Com a liberdade de Maria, poderei dizer a Jesus: “Senhor, faz de mim o que quiser!”
Ele me responderá: “Deixe que Eu aja em ti !”
O Senhor precisa de mim, quer viver em mim.
«Sejais perfeitos como o vosso Pai è perfeito» (Mt 5,48) diz o Evangelho, Jesus quer conduzir-nos à perfeição do amor.
A pessoa que compreende esta verdade quer vive-la a custo de qualquer sacrifício, qualquer perda. Que doar a si mesma, sem limites. Entendeu verdadeiramente a essência da vida religiosa.
O amor deve alastrar-se, como um fogo que queima os obstáculos, as cercas, as resistências.
«Eis a serva do Senhor.Faça-se em mim».
Deus precisa de sua criatura. Precisou em Nazaré, para realizar a redenção, precisa hoje para que esta redenção se espalhe e alcance os milhares de pessoas que correm o risco de perder sua vida.
Nunca rezemos com superficialidade as palavras de Maria, considerando-as como algo passado, contemplando-as como que um quadro desbotado… São palavras que representam uma realidade viva, de hoje, de agora, vivas em cada momento em que eu também disser com Ela: «Eis a serva do Senhor.Faça-se em mim».
Sou religioso, tenho meu papel na obra de redenção, minha parte de responsabilidade.
A Maria um anjo pediu em nome de Deus, agora, em mim, Deus pede diretamente. N’Ela «o Verbo se fez carne»; em mim e através de mim, a graça de Deus alcança as pessoas e estas podem, assim, viver a conversão. De alguma forma, Deus “renasce” em suas almas.
Entendo esta minha responsabilidade?
«Como se dará isto?» disse Maria, com Ela posso também perguntar: “Senhor o que quereres de mim para que eu não fique passivo, insípido, preso somente a pequenos resultados?” E Deus, mais uma vez responderá: “Deixa que Eu aja em ti !”. Quando isto acontecer, começará uma profunda transformação.
È este o significado da Vida religiosa. È uma analogia com a Maria.
Maria vivia toda perdida em Deus, envolvida por Ele, inebriada por Ele. Não existem palavras suficientes para indicar os sentimentos que havia em seu coração.
Contemplo a união de Maria com o “seu” Deus, no Templo, pelas ruas da Galiléia, em Nazaré, no Calvário. União que desabrocha na sua missão de co-redentora ao lado de Jesus, em nosso favor.
União de Maria com Deus, união do religioso com a divindade. Peçamos sempre ao Senhor de compreender o valor desta união à qual somos convidados.
SEGUNDO PONTO: Transformação que acontece na alma unida a Deus.
Na alma que compreende a sublimidade da vida de união com Deus, acontece uma evolução. Ele acaba considerando o seu “ego” como o pior inimigo. Consegue percebe-lo no apego aos pequenos comodismos, nas atitudes nem sempre transparentes, quase uma doença que absorve a seiva vital do organismo. Se o religioso não se livrar deste “ego”, mesmo se através de alguma intervenção dolorida, corre o risco de morrer.
Quero derrotar este “ego”, antes que derrote a mim, pois não è somente meu inimigo, mas è também inimigo de Deus, pois tem a ousadia de se erguer contra Deus e pretender ser venerado, idolatrado (cfr.2Tes.2,3s)
Quem sabe, na vida cotidiana talvez eu também tenha dado culto ao meu “ego”. Afastemos de nos este inimigo, tentemos conhece-lo através de uma paciente análise dos nossos pensamentos, gostos, tendências. Se tivermos constância e atenção sem dúvida aprenderemos a conhece-lo bem.
Uma vez derrotado o próprio “ego”, por um trabalho muito lento, a alma progressivamente se torna “propriedade” de Jesus. Ele a permeia, a transforma.
O religioso continua com o seu dia-a-dia, com as mesmas ocupações, as mesmas orações, os mesmos horários, mas na alma… quão grande mudança! Ela não reza mais: è Jesus que reza nele, que sorri nele.
Para o Redentor não foram suficientes os poucos anos de vida entre os homens: ainda hoje quer continuar a sua oração ao Pai pelos lábios e com o coração de seu religioso consagrado. Então, a alma não ora mais naqueles momentos prefixados pelos horários, ou situações da vida comunitária, mas em toda a sua vida que já esta se transformou na própria vida de Jesus nela. Toda a vida do religioso, todo momento se transforma em oração. «Quer comais, quer bebais ou façais outra coisa qualquer, fazei tudo para a glória de Deus» (1Cor 10,31).
O Salvador viveu para a glória do Pai. O religioso no qual vive Jesus, no qual há espaço para esta vida divina, se transforma ele mesmo em glória vivente, pois ele vive a vida de Jesus, a qual é inteirmente para o louvor de Deus e sua glória.
O religioso que deixa agir a presença de Jesus nele, ama o Pai, mas não como O amava anteriormente. Ama o Pai com o coração de Jesus.
Sendo assim o amor de Deus se torna o centro de sua vida, seu interesse principal enquanto as outras coisas não representam mais um objeto de afeição tão grande. Somente vê a Deus como sua única vida, seu único bem. Não tem mais objetivo particular, pois a finalidade de sua vida é a glória do Pai: todo gesto, todo interesse do coração, tudo é para Ele.
O religioso que vive a presença de Jesus gosta de entreter-se com o Pai, pois é Jesus n’ele que está com o Pai, que fala para o Pai, que conta-Lhe tudo. Sente o Pai perto de si, no coração, sente-se permeado pelo Espírito de Deus.
Mesmo que não sinta nada, afinal que importa? A fé o confirma na sua certeza e ele continua corajosamente, sabendo que o Senhor nunca o abandona.
Tudo quanto acontece ao seu redor fala de Deus: a criação é percebida como um reflexo de Sua beleza e potência, em qualquer circunstância aprende a encontrar algo para glorificar a Deus, sabe aproveitar do bom e do ruim, do bem e do mal, tudo para dar glória a Ele.
Deus lhe é o bastante. O resto vem em segundo plano, é relativo. Encontra em todo lado o amor de Deus e isto regozija a sua vida, a torna agradável pois toda situação é oportunidade para experimentar o amor do Senhor e responder a este amor.
Os momentos de paz o afagam, unindo-o ao carinho de Jesus, os momentos de sofrimento lhe recordam a cruz de Jesus e o unem a Ele.
O religioso que vive da presença de Jesus n’ele, aprende a encontrar todos os meios a fim de que esta presença possa ser cada vez mais resplandecente, a fim de que “somente” Jesus possa agir n’ele, mesmo às custas de algum sofrimento, da aniquilação do próprio “ego”. De fato, o verdadeiro amor é doação plena de si mesmo. Nunca se doa suficientemente, não há limite à doação por amor. O autêntico religioso busca em toda circunstância a oportunidade para se entregar de modo mais pleno a Jesus a fim de que Ele possa realizar tudo quanto desejar.
Propósito: Desfrutarei toda ocasião para aderir a Deus e mostrar-Lhe assim meu amor