Mc. 10,46-52
Como toda manhã o dia que estava a começar seria o mesmo, longo, tedioso dia. Mais um, daquela vida que o condenava a ouvir o mundo correr ao redor sem poder ver o que estava acontecendo.
Para o filho de Timeo, cego, não faria muita diferença chegar antes ou depois naquela calçada que conhecia há muitos anos, tanto o mundo teria corrido por sua conta do mesmo jeito, com ou sem ele. Dos passantes podia perceber se eram homens ou mulheres pela voz; o passo das pessoas lhe dizia algo do movimento a seu redor, acostumado à cadência pressurosa esperava sempre que alguém diminuísse o ritmo para se dar conta da existência também de um cego de cócoras na calçada. Alguém parava, por um momento seu coração se alegrava por alguém ter reparado nele; por um momento se sentia considerado por alguém, por um momento estava ao centro da atenção, já era o suficiente. Alguns instantes de expectativa, silêncio, depois as palavras de sempre: «Tende piedade!», um apelo ao coração para que aquele alguém, do qual nunca poderia conhecer a expressão do rosto, lhe deitasse uma moedinha ou um pedaço de pão em sinal de solidariedade... Tudo num momento, que terminava com as palavras que só possuem os que não tem como retribuir: «O Senhor te recompense».
Aquele dia o barulho não era o mesmo de todo dia, algo estava acontecendo; não demorou muito para saber que era Jesus quem estava por aí. O alarido todo não conseguia sufocar os pensamentos que se tinham acumulado em sua mente durante os longos anos de silêncio naquela calçada e que vinham à tona em toda sua força. As Escrituras... as esperanças de todos... aquele Jesus que estava ali, a poucos metros. De repente tudo podia mudar.
Os antigos textos que narram o dialogo entre o profeta Natã e Davi (2Sam. 7) não eram mais uma história passada, era algo que estava presente ali. Naquele dialogo que se deu novecentos anos antes daquele dia, uma grande profecia fora feita para Israel, a maior promessa de Deus.
Davi havia conquistado estabilidade para Israel, casas, fortalezas, exercito, dinheiro estavam transformando o povo. Nômade, acostumado ao essencial – como é próprio de todos os que viajam - educado a “seguir” Jahvé que o guiava pelo deserto, Israel estava perdendo a sua melhor característica, aquela que havia aprendido ao longo de gerações: confiar dia após dia em “Jahvé que caminha” (este era o apelido com o qual designavam Deus).
Davi decidiu, naquele dia, de construir uma casa também para Deus, assim como ele mesmo a tinha. Apresentou a idéia a Natã o qual, num primeiro momento, achou algo muito bom; no entanto este logo se deu conta da terrível armadilha que estava escondida atrás de um gesto aparentemente obvio e apreciável. Davi estava correndo o risco – como de fato historicamente acontecerá mais tarde - de “institucionalizar” o relacionamento com Deus: aprisionar entre quatro paredes Quem sempre havia morado numa “tenda”. Davi estava desvirtuando o relacionamento de Israel com aquele Deus que o tirara do Egito. “Habitar numa tenda” e não numa “casa” significava simbolicamente o que Deus é: vida, movimento, disposição para continuas mudanças, risco para a liberdade, superamento de limites pessoais e comunitários. Este é o verdadeiro Deus de Israel que estava sendo aprisionado em estruturas físicas e religiosas, onde o formalismo podia, com extrema facilidade, se substituir ao verdadeiro ato de culto a Deus que é demonstrar-lhe a confiança e o amor seguindo-O aonde Lhe aprouver. Este é o verdadeiro louvor, a oração que O agrada.
Natã, ultrapassou todas as expectativas quando, ao voltar para Davi o repreendeu em nome de Deus: «Tu edificarás uma casa para mi? Em casa nenhuma habitei desde que te fiz sair do Egito» disse e, sempre em nome d’Ele, lhe fez a grande promessa, a mesma que o anjo Gabriel recordou a Maria: «o Senhor é quem fará uma casa para ti. Depois de ti estabelecerá uma descendência e aquele que nascerá de ti terá o seu reino estável para sempre... será para mim um filho... e seu trono não terá fim». Definitivamente Deus estava escolhendo o que é uma casa, onde colocaria a sua habitação: no meio de seu povo através de Alguém, aquele que todos chamarão “Filho de Davi” e este seria seu Reino para sempre!
Improvisamente explodiu na garganta do cego Bartimeu aquele grito reprimido por anos na expectativa de que algo em sua vida mudasse: «Filho de Davi...». Era ele, sim. Não podia perder aquele momento, seria único, agora ou nunca mais, perder aquele momento significaria continuar uma existência tediosamente igual, frustrante, sem esperança. De nada valeram os protestos dos discípulos; ainda mais forte gritavam seus lábios o que em Jesus de Nazaré um cego tinha visto: o Filho de Davi, o Filho de Deus que de fato estabeleceu sua morada entre nós.
De repente todos aqueles anos transcorridos sem significado na sarjeta, anos de silêncio e expectativa se solveram num átimo, passaram a ter significado.
O coração se afina e se torna mais sensível quando ardentemente espera, assim o cego pôde ver o que tantos não conseguiam ver. Enxergar agora seria o coroamento de toda uma vida vivida na espera. Jesus percebeu o que havia atrás daquele grito, e assim realizou nele o que a fé já tinha feito em sua vida.
A fé, a confiança de que também para um cego que depende de todos as promessas de Deus são possíveis; a fé, a constância de esperar sem desistir mesmo em momentos de desânimo; a fé, a certeza de ser importante para Alguém... fizeram o milagre de reconhecer Deus quando passou perto.
Um milagre que para o cego se transformou em resposta de amor, adesão sem condições: «seguiu a Jesus» nos diz o Evangelista, isto é: aderiu com toda a sua vida e sem restrições, deu a Deus o verdadeiro culto: sua disponibilidade global.
Quantas coisas nos sugere este episódio ! Para quanto tempo aparentemente sem sentido é capaz de dar significado! O Evangelista nos recomenda principalmente uma coisa: não perca o momento em que Deus passa por perto, poderia ser o único, poderia oferecer-te tamanha alegria a ponto de que a tua vida seria transformada em louvor e agradecimento. Pois não precisa de mais nada quem já recebeu o que realmente estava esperando


